Fact-checking e Inteligência Artificial (IA) no Brasil: Usos, limites e potencialidades na luta contra a desinformação

Neste dezembro último (de 2023) apresentei, ao lado da colega de doutorado Mariana Alcântara, a comunicação “Fact-checking e Inteligência Artificial (IA) no Brasil: Usos, limites e potencialidades na luta contra a desinformação” no III Congreso Internacional de Investigación y Transferencia en Comunicación (Intracom).

Veja nossa apresentação abaixo.

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Resumo da apresentação

No contexto atual de dataficação (Van Dijck, 2014) da sociedade da informação (Castells 1999), a revolução algorítmica (Lindem, 2017) e abundância de dados (Boczkowski, 2021) abriu portas para o uso de novas tecnologias, algumas com potencial inovador, em diferentes frentes, especialmente na comunicação e, por tabela, no jornalismo. No entanto, essas mesmas tecnologias também podem ser utilizadas para amplificar exponencialmente a criação e disseminação de desinformação, especialmente nas redes sociais digitais, seja no norte ou no sul global (Wasserman & Madrid-Morales, 2022; Chan, 2021). Uma dessas tecnologias que surgiram e foram rapidamente adotadas nos últimos anos é a chamada Inteligência Artificial (IA), com seus desdobramentos em machine learning, Large Language Model (LLM) e redes neurais (Diakopoulos, 2019; Napoli, 2014; Marconi, 2020).

Diante desse cenário, a proposta em questão tem em vista responder à seguinte pergunta de pesquisa: como as agências de checagem de fatos brasileiras e outras iniciativas similares têm utilizado ferramentas de IA para combater a desinformação? Para tanto, foram catalogados e analisados seis projetos: 1) Lupe Chatbot (Agência Lupa); 2) Fátima Chatbot (Aos Fatos); 3) Radar (Aos Fatos); 4) BuscaFatos; 5) FakeCheck; e 6) Veritate.
Compreender como se desenrola esse fenômeno no âmbito profissional jornalístico é essencial para que se possa descobrir maneiras para desvendar lógicas coordenadas impulsionadas por campanhas de desinformação de espectro nacional e internacional.

Além disso, o uso de IA pelo jornalismo pode auxiliar na detecção de conteúdos ultra falsificados gerados por essa mesma tecnologia. Esses tópicos são defendidos por Salaverría e Cardoso (2023) como áreas de pesquisa prioritárias nos próximos anos.
Novas IA surgem todos os dias com grande potencial para automatização não só de processos como também tarefas anteriormente destinadas aos humanos. Implicações de máquinas conectando nós informacionais, realizando tarefas comunicacionais de forma autônoma, criando novos conteúdos, a partir de largos bancos de dados, e conectadas à rede mundial de computadores, com capacidade de espalhamento sobre-humanas, não podem ser ignoradas, principalmente, em um contexto contemporâneo crescente em que circulam diferentes tipos de desinformação (Wardle & Derakhshan, 2017; Kapantai et al., 2021) e cujos impactos na sociedade ainda estão por ser compreendidos adequadamente.

Em termos metodológicos, este artigo parte de uma acepção mista (Machado & Palacios, 2007) quali-quantitativa, cujo caminho a ser percorrido será: a) descrição exaustiva de como funcionam as iniciativas de IA que compõem o corpus; b) análise dos objetivos e metodologias de checagem com ajuda de IA utilizadas e descritas pelas próprias iniciativas; c) categorização de abordagens e usos das IA de checagem, e d) confronto com abordagem teórica atual sobre verificação de fatos e IA.

Os resultados parciais sugerem que as iniciativas e agências brasileiras de checagem de fatos com IA ainda são experimentais e com uso apenas de IA Fracas (Túñez-López et al, 2021), de baixa complexidade e/ou com pouca ou quase nenhuma automação, como bots e chatbots simples, resultando em baixas capacidades de interação e aprendizado de máquina, ou seja, baixa capacidade de verificação automática de fatos, propriamente dita, evidenciando dependência, ainda, de intervenção humana para completar o processo de checagem e, posteriormente, divulgação dos resultados.

Este cenário, no entanto, pode mudar com o advento das IA generativas. Além disso, nota-se um papel importante das plataformas no fomento e em participação nas estruturas das IA no corpus analisado, acentuando uma plataformização (Poell & Nieborg & Van Dick, 2020) das IA pelas big techs (Meta, Google, Microsoft, Apple, Twitter) e uma consequente limitação no desenvolvimento e inovações neste campo. Tal fato também demonstra dependência dessas iniciativas de verificação posicionadas no sul global para com as plataformas, estabelecidas, em sua grande maioria, no norte global, para o desenvolvimento, a partir de incentivos tecnológicos e financeiros (ex: Aos Fatos e Lupa), de iniciativas de checagem de fatos por meios tecnológicos de ponta, como inteligência artificial.

Outro apontamento diz respeito ao fluxo de farsas que circulam no ecossistema digital. Uma vez detectado e verificado, o conteúdo não é removido automaticamente pelas plataformas de redes sociais. Mesmo com auxílio das IA, as empresas jornalísticas ainda não possuem autonomia, pois não possuem poder para remover conteúdos, contas ou páginas. Essa tarefa está nas mãos das big techs, que seguem seus próprios ritmos e interesses, mesmo com potencialidades algorítmicas para acelerar tais processos de “contradesinformação”.

Palavras-chaves: inteligência artificial (IA), desinformação, fact-checking, Brasil

Referências:

Boczkowski, P. J. (2021). Abundance: On the experience of living in a world of information plenty. Oxford University Press.

Castells, M. (1999). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura Vol. 1 – O Poder da Identidade. São Paulo, Ed. Paz e Terra.

Chan, A. S. Jornalismo de dados, universalismo digital e inovação na periferia mundial. King’s Research Portal, 278.

Diakopoulos, N. (2019). Automating the news: How algorithms are rewriting the media. Harvard University Press.

Linden, C. G. (2018). Algoritmos para Jornalismo: o futuro da produção de notícias. Líbero, (41), 5-27.

Kapantai, Eleni; Christopoulou, Androniki; Berberidis, Christos; Peristeras, Vassilios (2021). A systematic literature review on disinformation: Toward a unified taxonomical framework. New media & society, v. 23, n. 5, pp. 1301-1326.

Machado, E., & Palacios, M. (2007). Um modelo híbrido de pesquisa: a metodologia aplicada pelo GJOL. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 199-222.

Marconi, F. (2020). Newsmakers: Artificial intelligence and the future of journalism. Columbia University Press.

Napoli, P. M. (2014). Automated media: An institutional theory perspective on algorithmic media production and consumption. Communication theory, 24(3), 340-360.

Poell, T., Nieborg, D., & van Dijck, J. (2020). Plataformização. Revista Fronteiras, 22(1).

Salaverría, Ramón; Cardoso, Gustavo (2023). “Future of disinformation studies: emerging research fields”. Profesional de la información, v. 32, n. 5, e320525.

Túñez-López, J. M., Fieiras-Ceide, C., & Vaz-Álvarez, M. (2021). Impact of Artificial Intelligence on Journalism: transformations in the company, products, contents and professional profile. Communication & society, 34(1), 177-193.

Wardle, C., & Derakhshan, H. (2017). Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe report DGI(2017)09.

Wasserman, H., & Madrid-Morales, D. (Eds.). (2022). Disinformation in the global south. Wiley Blackwell.

Van Dijck, J. (2014). Datafication, dataism and dataveillance: Big Data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & society, 12(2), 197-208.

Doutorado Sandwich na London School of Economics and Political Science (LSE)

Chegou aquele momento de dizer: estou em Londres, bebê.

E aqui estamos, fazendo doutorado sandwich na London School of Economics and Political Science, a LSE para os mais chegados. Uma das duas maiores universidades em ciências sociais do mundo, detentora de 18 Prêmios Nobel, lugar onde lecionaram nomes como Karl Popper, e cuja biblioteca é a segunda maior do mundo em ciências sociais. Ufa! Uau! 

Meu supervisor aqui em Londres é o Professor Charlie Beckett, entusiasta e fomentador, por meio do JournalismAI, do uso de inteligência artificial (IA) no jornalismo. Não por acaso, esse é o tema central de minha pesquisa no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom) e no Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-line (Gjol), sob orientação da Professora Suzana Barbosa. 

Deu trabalho chegar aqui nesse “paraíso da pesquisa”, quase um ano de planejamento e um bebê viajante no meio do caminho. 

Estar em Londres fazendo essa pesquisa é uma das coisas mais inusitadas — por mais que a tenhamos planejado. Ao mesmo tempo, sinto ser aqui que deveríamos estar e este é o lugar certo para dar continuidade ao que estou fazendo agora. É a pesquisa acadêmica que m cerca e que também persigo. 

Minha Mãe diria que estou indo longe e que dá para ir mais um bocado ainda. Temos muitos planos para essa pesquisa e o futuro. Ela e Amanda, minha esposa, foram as pessoas que acreditaram nesse doutorado antes mesmo de mim. Só posso honrá-las e agradecê-las. Obrigado. 

No mais, me sinto compelido a agradecer, também, a minha pequena Laura, a melhor viajante que esse mudo já viu! Ela tem transformado essa viagem em algo ainda melhor. 

É uma aventura. E estamos nessa luta.

Um pequeno relato sobre ter sido Professor da Universidade Federal da Bahia

Minha Mãe me disse há alguns anos, ao tentar me motivar a entrar no doutorado: “Filho, você ainda dará aula na UFBA!”

E isso aconteceu no primeiro semestre de 2023, me tornei Professor Substituto na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.

Foi a realização de um sonho sonhado não apenas por mim. Minha mãe infelizmente não viveu para me ver na sala de aula da Facom, mas viveu o suficiente para saber e acreditar que seus filhos alcançariam o que ela sonhou junto. 

Mesmo que por um semestre, dar aulas na Facom foi muito gratificante. Foi uma tempestade de sentimentos. Não tenho palavras para descrever a sensação de compartilhar um pouco e aprender muito com meus alunos. Dar um pouco a quem (a Facom e a UFBA) me deu tanto… ah, isso não tem preço. 

Obrigado, Facom. Te amo, UFBA! 

Essa foi para você, Cremilda.

Mas será o Benedito?

Será o Benedito?

Benedito Meia-Légua, que assombrou os escravagistas anos antes da abolição

Seu nome original era Benedito Caravelas e viveu até 1885, um líder nato e bastante viajado, conhecia muito do nordeste. Suas andanças conferira-lhe a alcunha de “Meia-légua”. Andava sempre com uma pequena imagem de São Benedito consigo, que ganhou um significado mágico depois.

Ele reunia grupos de negros insurgentes e botava o terror nos fazendeiros escravagistas da região, invadindo as Senzalas, libertando outros negros, saqueando e dando verdadeiros prejuízos aos racistas.

Contam que ele era um estrategista ousado e criativo, criava grupos pequenos para evitar grandes capturas e atacavam fazendas diferentes simultaneamente. A genialidade do plano era que o líder de cada grupo se vestia exatamente como ele.

Sempre que um tinha o infortúnio de ser capturado, Benedito reaparecia em outras rebeliões. Os fazendeiros passaram a crer que ele era Imortal. E sempre que haviam notícias de escravos se rebelando vinha a pergunta “Mas será o Benedito?”

O mito ganhou força após uma captura dramática. Benedito chegou a São Mateus (ES) amarrado pelo pescoço, sendo puxado por um capitão do mato montado a cavalo. Foi dado como morto e levado ao cemitério dos escravos, na igreja de São Benedito.

Noutro dia, quando foram dar conta do corpo, ele havia sumido e apenas pegadas de sangue se esticavam no chão. Surgiu a lenda que ele era protegido pelo próprio São Benedito. Por mais de 40 anos ele e seu Quilombo, mais do que resistiram, golpearam o sistema escravocrata.

Meia-Légua só foi morto na sua velhice, manco e doente. Ele dormia em um tronco oco de árvore. Esconderijo que foi denunciado por um caçador. Seus perseguidores ficaram a espreita, esperando Benedito se recolher. Tamparam o tronco e atearam fogo.

Seu legado é um rastro de coragem, fé, ousadia e força para lutar pelo nosso povo, que ainda hoje é representado em encenações de Congada e Ticumbi pelo Brasil. Em meio as cinzas encontraram sua pequena imagem de São Benedito.

Todo dia 1 De Janeiro, o cortejo de Ticumbi vai buscar a pequena imagem do São Benedito do Córrego das Piabas e levar até a igreja em uma encenação dramática para celebrar a memória de Meia-Légua.

Fonte: Alê Santos

Publicado por Mulheirismo Africano MDA